Visibilidade Bissexual: identidade, coragem e pertencimento
- ARCO
- 23 de set.
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A afirmação da bissexualidade como identidade legítima e digna de respeito é um gesto político radical. O Dia da Visibilidade Bissexual, celebrado em 23 de setembro, não é apenas uma efeméride simbólica, mas um marco da resistência contra a invisibilização histórica dentro e fora da comunidade LGBT+. É um lembrete de que, por trás de cada letra da sigla, existem corpos, trajetórias e demandas específicas que não podem ser assimiladas ou apagadas.
Criado em 1999 por Wendy Curry, Michael Page e Gigi Raven Wilbur, o Dia da Visibilidade Bissexual surgiu como uma reposta direta à negligência política e simbólica enfrentada por pessoas bissexuais. A escolha da data; coincidindo com o aniversário de morte de Freud, um dos primeiros teóricos a discutir a bissexualidade; e sua formalização na 22ª Conferência da ILGA em Joanesburgo expressam um desejo coletivo de legitimação. Em um contexto pós-Stonewall, onde o movimento LGBT+ consolidava sua voz global, o silenciamento da bissexualidade seguia como uma fratura dentro da luta.
Ao longo das décadas, a visibilidade bissexual tem caminhado com avanços importantes, ainda que lentos. No Brasil, iniciativas como o coletivo Bi-Sides, fundado em 2010, ocupam um papel vital na construção de referências em português feitas "de bi para bi". A prática de incluir a pauta em espaços maiores como o Seminário Nacional de Lésbicas e Mulheres Bissexuais, que se transformou em Senalesbi; também mostra um reconhecimento institucional crescente. Mas a existência bissexual continua atravessada por estigmas: a ideia da "confusão", a acusação de promiscuidade ou infidelidade, e o constante questionamento de sua validade como orientação autônoma.
Esses estigmas não surgem apenas do lado de fora. Dentro da própria comunidade LGBT+, pessoas bissexuais relatam desconfiança, marginalização e hostilidade. A bissexualidade é, muitas vezes, lida como uma fase, uma estratégia de sobrevivência ou uma indecisão conveniente. Trata-se de uma violência epistêmica que recusa o direito ao pertencimento pleno. O B da sigla ainda é visto como uma fronteira borrada, e não como um lugar afirmado.
Os dados ajudam a dimensionar o silenciamento. Nos Estados Unidos, mais da metade das pessoas LGBT+ se declara bissexual, mas são cinco vezes menos propensas a se assumirem para familiares e amigos. No Brasil, o IBGE registrou que apenas 0,7% da população adulta se declara bissexual. É uma porcentagem que contrasta com a realidade percebida e aponta para uma subnotificação alimentada pelo medo do preconceito.
Celebrar o Dia da Visibilidade Bissexual, portanto, é mais do que levantar uma bandeira: é disputar narrativas, corrigir apagamentos e exigir pertencimento. É dizer que está tudo bem ser quem se é, mesmo quando o mundo insiste em enquadrar identidades em caixas fixas. É lembrar que a luta contra a bifobia, manifesta ou velada, é urgente, porque a marginalização também adoece, empurra para o armário e silencia afetos.
Num tempo em que o conservadorismo tenta reverter cada centímetro de liberdade conquistada, essa data se inscreve como um ato de coragem e de lucidez. Porque não se trata apenas de afirmar uma orientação sexual, mas de desafiar estruturas que condicionam o amor, o desejo e a existência a uma lógica binária e excludente. O B não é uma letra a ser tolerada: é uma identidade a ser celebrada em sua plenitude.
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