“Querem imperar a troca de valores. Querem pegar o anormal e colocar como normal”, discursou Igor Elson (PL). Dizendo-se “mal interpretado”, vereador afirmou à coluna seu respeito aos LGBTs e alegou que sua crítica foi direcionada à gestão de Vidigal. Parlamentares e entidades acusam-no de homofobia, dizem que vão à Justiça e cobram punição
Vereador Igor Elson ao lado do senador Magno Malta em evento do PL da Serra (04/03/2023).
Usando termos como “anormal”, “troca de valores” e “ridicularidade” em referência a pessoas não heterossexuais, o vereador da Serra Igor Elson (PL) fez, na manhã do último sábado, um discurso bastante controverso que gerou fortes reações contrárias de movimentos em defesa dos direitos da comunidade LGBTQIA+ e de outros parlamentares da Serra, de outros municípios e até de fora do Espírito Santo.
A fala do vereador bolsonarista foi considerada ofensiva, homofóbica e criminosa por dezenas de entidades que divulgaram uma nota de repúdio e indicaram que acionarão a Justiça contra o vereador, para cobrar punição.
O discurso de Igor Elson foi realizado diante de correligionários, em um auditório da Serra, no evento em que o próprio vereador assumiu a presidência do Partido Liberal (PL) no município. A alusão à população LBTQIA+ foi feita pelo parlamentar no momento em que ele criticava a administração do prefeito Sérgio Vidigal (PDT) por, segundo ele, priorizar eventos “favorecendo” esse segmento. No fim de janeiro, a Prefeitura da Serra promoveu a “Semana da Diversidade, com oficinas e uma festa na Praia de Jacaraípe, culminando com o XIII Manifesto LGBTI da Serra.
“Faz uma semana de eventos favorecendo LBTQIA+. Você não ouve se falar nada sobre família, sobre casamento, sobre criança”, criticou Igor Elson. “Querem imperar a troca de valores. Querem pegar o que é normal e colocar como anormal, e pegar o anormal e colocar como normal. Mas, enquanto nós estivermos vivos, nós estaremos firmes, combatendo isso. Nós respeitamos a postura e o direito de cada um. Agora, potencializar aquilo que é anormal […] e que nós entendemos que traz prejuízo para a sociedade, o PL vai estar firme junto com vocês para combater essa ridicularidade”, disse o novo presidente municipal da Serra, sob aplausos da plateia e dos integrantes da mesa de autoridades.
Na mesa, estavam presentes o senador e presidente estadual do PL, Magno Malta, os deputados estaduais Danilo Bahiense (PL) e Pablo Muribeca (Patriota), o ex-deputado federal Carlos Manato (PL) e o vice-prefeito da Serra, Thiago Carreiro (UB).
Em conversa por telefone com a coluna na noite de ontem (6), Igor Elson alegou ter sido mal interpretado, afirmou ter total respeito pelos membros da comunidade LGBTQIA+ e enfatizou que, na realidade, o que ele buscou criticar na fala foi a postura da atual administração municipal, que estaria realizando investimentos de maneira desigual. Segundo ele, a fala não foi direcionada à população LGBTQIA+.
Diante da polêmica levantada, o vereador também publicou uma nota em suas redes sociais:
“O vereador Igor Elson esclarece que em sua fala, no evento do PL, não chamou quaisquer pessoas de ‘anormais’. Anormal era e é a política pública adotada pelo Poder Executivo municipal que privilegia apenas uma parte da sociedade, deixando de fora os setores conservadores e que pregam valores cristãos.”
As reações
Em reação ao discurso de Igor Elson, a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara da Serra, Elcimara Loureiro (PP), disse à coluna, também ontem à noite, que cogita ingressar com representação contra o vereador do PL na Corregedoria da Câmara.
“A fala dele é criminosa. Ao criminalizar pessoas LBTQIA+, ele praticou o crime de homofobia. Está dizendo que essas pessoas não podem nem sequer conviver com as ditas ‘normais’. Essa discussão já foi vencida. Homossexualidade não é anormalidade, não é doença, não é nem sequer uma opção. Falas assim fomentam e incitam o ódio, a violência e a discriminação, principalmente quando partem de um agente público. Um agente público precisa ter consciência de que tudo o que ele fala reverbera.”
Na sessão plenária de ontem na Câmara da Serra, por volta das 17 horas, a vereadora leu a nota de repúdio mencionada no primeiro parágrafo, assinada por dezenas de entidades, conselhos, partidos, parlamentares e até pela Secretaria Nacional de Diversidade Sexual e Gênero do Ministério de Direitos Humanos.
Em silencioso protesto, alguns vereadores se retiraram do plenário durante a leitura da nota. Igor Elson já havia deixado o plenário antes do pronunciamento de Elcimara.
As explicações de Igor Elson
Para a coluna, o pivô da polêmica disse o seguinte:
“Minha fala foi mal interpretada por parte do grupo LGBTQIA+. Não teve nenhum direcionamento a essa comunidade. Todos sabem que não sou homofóbico. Quero reiterar meu respeito por essas pessoas. Minha fala foi direcionada à gestão do atual prefeito, a qual não tem equidade nos investimentos.”
Perguntei, então, ao vereador: se a fala não foi direcionada à população LBTQIA+, por que então ele citou especificamente eventos voltados para esse segmento social?
“Citei como exemplo porque veio na minha cabeça. Sou um ser humano e posso ter errado. Mas continuo com paz no coração, sabendo que não fiz crítica alguma aos membros dessa comunidade, até porque eles têm todo o meu respeito.”
Perguntei-lhe, então, sobre o uso do adjetivo “anormal” para se referir a tais pessoas. Ele respondeu que, na verdade, também empregou o termo em referência à gestão Vidigal e à falta de equidade na alocação dos recursos públicos.
“A opção sexual de cada um é pessoal de cada um. Tenho duas filhas. Se elas fizerem essa opção sexual eu posso até não concordar, mas aceitaria. Já trabalhei na Prefeitura da Serra na mesma gestão que a líder de um dos movimentos LGBTQIA+, e ela sabe que nunca tive nenhuma relação de desrespeito. Nas duas últimas administrações de Audifax [entre 2013 e 2020], fui secretário-adjunto de Segurança e Defesa Social, secretário geral de Serviços e secretário de Agricultura. Nunca tive problema algum com a Secretaria de Direitos Humanos.”
Igor Elson avalia que a reação contrária foi estimulada, em certa medida, por agentes da administração de Vidigal:
“Sou oposição e fiscalizo a atual gestão. Sou independente, não ganhei no palanque dele. Trago emenda parlamentar de Brasília para a Serra. Mas não me elegi no colo dele.”
Dizendo ter uma “ligação muito forte” com Magno Malta, Igor Elson filiou-se ao PL, a convite do senador, em abril do ano passado, para disputar uma vaga na Assembleia Legislativa. Ficou na suplência do PL, que elegeu cinco deputados.
A nota de repúdio
Eis alguns trechos da nota de repúdio, assinada, entre outros, pelo Fórum Municipal pela Cidadania LGBTQIA+ da Serra, pelo Conselho Municipal de Direitos Humanos da Serra, pela vereadora da Serra Elcimara Loureiro (PP), pelos vereadores de Vitória Karla Coser (PT) e André Moreira (PSol), pelo PDT Diversidade (segmento do partido de Vidigal), pelo PSol da Serra e pela Secretaria Estadual LGBT do PT-ES:
“No Brasil, a LGBTfobia é crime, a homossexualidade não é crime e tampouco doença. Existe todo um esforço coletivo para que possamos construir uma sociedade justa, fraterna e igualitária. Atitudes que pretendem reforçar o preconceito e a violência devem ser repudiadas e denunciadas.
[…]
O vereador Igor Elson em sua fala diz que não falamos sobre família, caracteriza a comunidade LGBT como ‘anormal’, que não temos ‘valores’ e que trazemos ‘prejuízo’ para a cidade.
Talvez o vereador, por ignorância ou simples desconhecimento, não saiba que, na história da comunidade LGBT no Brasil, muitos LGBTs precisaram ser mortos, presos e torturados para que somente em 2011 o STF reconhecesse, por unanimidade, a união estável entre casais do mesmo sexo como unidade familiar.
[…]
Jovens LGBTs têm o maior risco de cometerem suicídio em decorrência de uma vida inteira de não aceitação, rejeição, discriminação, estigma e violência, e discursos como o do vereador em questão contribuem para que nossa população LGBT tenha risco aumentado em sua saúde física e mental em relação ao restante das pessoas […].
Compreendemos que o discurso do vereador e a omissão de autoridades políticas presentes, que inclusive batem palma […], se caracterizam como uma agressão a todo o movimento LGBTI+ da Serra, com total característica LGBTfóbica. Essa atitude não condiz com um agente do Estado eleito democraticamente que tem, pelas funções que ocupa, redobrada a obrigação de respeitar e defender a Constituição.
Violências contra a comunidade LGBTI+ nascem não do acaso, mas do forte sentimento de desprezo que parte da sociedade nutre por nossa comunidade. Vistos como desiguais e inferiores, nos tornamos alvos frequentes daqueles/as que se sentem superiores. Entendemos que é através da construção de um projeto de educação não LGBTfóbica, não racista, laica e que lute pelo fim do fundamentalismo religioso que esta sociedade será modificada.
[…]
Sendo assim, esperamos que os órgãos competentes investigam e punam dentro da lei o responsável por mais este ato de violência em nosso município.
[…]
Com essa firmeza, acionaremos a Justiça e os órgãos competentes para que nossos direitos sejam respeitados e persistiremos na cobrança firme para que as investigações ocorram com seriedade e justiça.”
POR VITOR VOGAS ES360
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